Ainda Estou Aqui usou a Lei Rouanet? Entenda o caso

Melo

Ainda Estou Aqui usou a Lei Rouanet? Entenda o caso

O Globo de Ouro conquistado por Fernanda Torres, no último domingo (5), colocou o Brasil em destaque no cenário internacional. Sua atuação no longa Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, rendeu-lhe o prêmio de Melhor Atriz em Drama — um feito histórico para o cinema brasileiro. No entanto, em meio às comemorações, surgiram críticas nas redes sociais, com alegações de que o filme teria utilizado recursos da Lei Rouanet para sua produção.

Vamos aos fatos e esclarecer de vez essa polêmica.

E aí, usou recursos públicos ou não?

Ainda Estou Aqui: o filme brasileiro que vai levar o Oscar 2024

Ao contrário do que alguns têm alegado, Ainda Estou Aqui não utilizou recursos da Lei Rouanet, nem de qualquer outra fonte pública. Toda a produção foi financiada exclusivamente com investimentos privados.

Desde 2007, a Lei Rouanet não permite o uso de seus incentivos fiscais para a produção de longas-metragens de ficção. Apenas curtas, médias-metragens e documentários estão incluídos na legislação. Isso significa que, mesmo que os produtores quisessem recorrer à lei, isso seria inviável pelas próprias regras do programa.

O filme, baseado na história real de Eunice Paiva, mas com uma narrativa ficcional, não se enquadra nas categorias elegíveis para a Rouanet. Além disso, com 2 horas e 17 minutos de duração, a obra é classificada como longa-metragem e, portanto, não poderia receber esses incentivos.

Outro ponto que desmonta as críticas é a figura de Walter Salles, diretor de renome internacional e um dos cineastas mais bem-sucedidos financeiramente do mundo. Ele é o segundo cineasta mais rico do mundo, atrás apenas de George Lucas. Herdeiro de uma das famílias mais ricas do Brasil e sócio de um dos maiores bancos privados do país, o Itaú, Walter Salles não precisou de dinheiro público para viabilizar Ainda Estou Aqui.

O filme foi produzido com capital privado, arrecadado exclusivamente de investidores interessados no potencial artístico e comercial da obra. Esse modelo de financiamento reforça que nenhum recurso público foi utilizado na produção.

Afinal, o que é a Lei Rouanet?

A Lei Rouanet é uma política pública brasileira criada em 1991 que incentiva o financiamento de projetos culturais por meio de renúncia fiscal. Empresas e pessoas físicas podem investir em iniciativas como peças teatrais, documentários, exposições e concertos, recebendo abatimentos no Imposto de Renda. Contudo, ela não utiliza recursos diretos do governo; o financiamento vem de investimentos privados que recebem incentivos fiscais.

A Lei Rouanet, frequentemente alvo de críticas infundadas, não injeta dinheiro público diretamente em projetos culturais. Trata-se de um mecanismo de incentivo fiscal, no qual empresas e pessoas físicas podem destinar parte do imposto de renda devido para financiar projetos culturais. Em troca, recebem abatimentos fiscais.

No caso de Ainda Estou Aqui, nenhum recurso foi captado por meio da Rouanet ou qualquer outra forma de apoio governamental. As acusações de que “dinheiro público foi gasto enquanto há gente passando fome” não apenas são equivocadas, mas revelam um desconhecimento profundo sobre o funcionamento dos mecanismos de incentivo cultural no Brasil.

Mas e se tivesse usado, seria errado?

Globo de Ouro 2025: Brasil tem chance real de fazer história nesse domingo

Agora, suponhamos que Ainda Estou Aqui fosse elegível para captar recursos por meio da Lei Rouanet. Será que isso seria, de fato, um problema? Aqui entra a necessidade de refletirmos sobre o papel dessa lei e seu propósito: fomentar a cultura nacional.

A Lei Rouanet foi criada para incentivar a produção cultural no Brasil, permitindo que projetos relevantes sejam viabilizados com apoio do setor privado por meio de renúncia fiscal. O objetivo não é “gastar dinheiro público à toa”, como muitos erroneamente colocam, mas sim gerar impactos sociais, culturais e econômicos. A conquista de um Globo de Ouro, como o de Fernanda Torres, não seria uma demonstração clara de que a lei funciona? Afinal, essa vitória não representa apenas a atriz, o filme ou o diretor, mas sim o Brasil como um todo.

Um prêmio dessa magnitude projeta o país no cenário global, valoriza nossa arte e abre portas para que mais produções nacionais ganhem espaço internacionalmente. Além disso, impactos econômicos positivos acompanham o reconhecimento cultural: gera-se interesse em nossa cinematografia, turismo e até parcerias comerciais. Portanto, se Ainda Estou Aqui tivesse utilizado a Lei Rouanet, essa conquista seria um exemplo concreto de como investir na cultura retorna em benefícios coletivos.

A crítica à Rouanet, muitas vezes feita por quem a desconhece, reflete uma visão limitada sobre o valor da cultura para um país. Por que é normal subsidiar setores como agricultura, esportes ou infraestrutura, mas incentivar a arte gera tanta resistência? Se o Brasil busca competir em pé de igualdade com outros países em áreas estratégicas, não seria lógico usar todos os recursos possíveis para também fortalecer nossa produção cultural?

O discurso de que “não se deve gastar com cultura porque há problemas sociais maiores” é falacioso. Projetos culturais, como o próprio Ainda Estou Aqui, têm o poder de educar, sensibilizar e ampliar a percepção coletiva sobre questões históricas e sociais importantes, como os horrores da ditadura retratados no filme. A arte não apenas complementa o desenvolvimento de um país, mas também é essencial para sua identidade e transformação social.

A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro é um marco para o Brasil. Ainda Estou Aqui, com sua história profundamente brasileira e produção impecável, levou ao mundo uma narrativa que destaca nossa cultura e história.

Ao invés de espalhar informações equivocadas, é hora de reconhecer que o cinema brasileiro pode atingir o mais alto nível de excelência, sem depender de incentivos públicos. Walter Salles e sua equipe provaram que talento, visão artística e gestão eficiente podem conquistar reconhecimento global. É um momento para celebrar, não para criticar.

COMPARTILHE Facebook Twitter Instagram

Leia Também


Mais Lidas

ASSINE A NEWSLETTER

Aproveite para ter acesso ao conteúdo da revista e muito mais.

ASSINAR AGORA