No divertido Thor: Ragnarok, Hela de Cate Blanchett é quem ‘incendeia’

Estadão Conteúdo

No divertido Thor: Ragnarok, Hela de Cate Blanchett é quem ‘incendeia’

Tem a ver com o ator, obviamente. A série Thor, com certeza, deve muito a Chris Hemsworth, o homem que empunha o martelo dos deuses. Não apenas a ele – os dois primeiros filmes, Thor (2011) e Thor: O Mundo Sombrio (2013) – são basicamente histórias de amor, nas quais o contraponto ao romance vem por meio da disputa entre os irmãos.

A verdadeira química era – tinha de ser – entre Thor, Hemsworth, e Lóki, Tom Hiddleston. O terceiro filme, que agora estreia – Thor: Ragnarok -, é de longe o melhor. Traz o herói repaginado, e você já sabe que Hemsworth ostenta um corte de cabelo militar. Não é a única mudança.

Já havia uma complicação familiar em Guardiões da Galáxia 2, um conflito entre pai e filho, mas não se compara aos estragos que Hela faz no clã dos deuses Aesir. Como Thor e Lóki, Hela é filha de Odin e ajudou o pai a conquistar o domínio da galáxia.

O problema é que Odin deixou de ser um deus sanguinário e baniu a filha de seu reino. Hela, a deusa da guerra, está de volta, e com um visual punk tão agressivo que… Espere, é Cate Blanchett, trazendo para o universo dos comics, e da Marvel, o extraordinário talento que já lhe valeu dois Oscars – melhor coadjuvante, por O Aviador (de Martin Scorsese), e melhor atriz, por Blue Jasmine (de Woody Allen).

Hela desestabiliza o universo de Thor. De cara, e como se fosse nada, ela destrói o mítico martelo do herói, o que projeta o deus do trovão numa espécie de crise existencial. O impasse se agrava ainda mais quando Thor, transformado em lixo espacial pela irmã, é resgatado por uma amazona (bêbada e) renegada para virar atração na arena do Grandmaster, enfrentando… Hulk! Tudo isso já estava no trailer e, portanto, não é spoiler.

Só é preciso acrescentar que o título, Ragnarok, vem da mitologia – Asgard, o Valhala de Thor, Odin e Lóki, será destruído pelo fogo. É muito interessante ver como e por que a profecia se cumpre no novo filme, e o que significa a destruição do lar. Com a segunda chance, o retorno ao lar, de …E o Vento Levou, o épico romântico do produtor David Selznick, a E.T., de Steven Spielberg, é um dos temas viscerais do cinema de Hollywood. Thor: Ragnarok confronta mitologias, portanto.

Humanização

Na Marvel ou na DC Comics, há uma complexidade humana no universo dos super-heróis que muita gente ainda se recusa a admitir. É reducionismo considerar que filmes baseados em HQs sejam meras tolices, ou apenas invólucros para efeitos especiais.

A série Batman de Christopher Nolan foi profética na abordagem de questões relativas a poder e segurança na internet. O perigo do furacão (Donald) Trump já estava lá. O Superman de Zack Snyder vive no centro de uma tragédia familiar. Seu primeiro filme era sobre o pai; o segundo, dividindo a cena com Batman, sobre a mãe.

A definição de tragédia não é excessiva. Zack Snyder costuma ser criticado pelo que alguns críticos consideram falta de humor. Pois com falta de humor e tudo, só apostando no pathos, ele consegue números extraordinários com seus blockbusters. E isso é um fenômeno.

James Gunn, pelo contrário, aposta no humor na série Guardiões na Galáxia. O 2, trabalhado por Snyder, seria uma tragédia. Com Gunn, vira uma festa e bate recordes de público.

Como se explica que obras tão diversas sejam produzidas pela mesma máquina de sucessos? Tem a ver com os diretores, claro, e o nó górdio é aceitar que os Nolan, Snyder, Gunn sejam autores.

O caso de Taika Waititi, diretor de Thor: Ragnarok, parece particularmente desconcertante. Comediante, ator, diretor, escritor e pintor da Nova Zelândia, ele veio de filmes pequenos, indies, antes de terminar à frente de Ragnarok.

Como se faz a passagem para o blockbuster? No caso de Waititi, ele ainda faz um papel no próprio filme. É o gigante de pedra Borg, e tem feito tanto sucesso nas redes sociais que Kevin Feige, presidente da Marvel, já admite acrescentá-lo à franquia formando dupla com o alienígena insectoide Miek. Waititi já disse que topa, mas só se o pacote for completo, e ele seguir como diretor de um provável Thor 4.

O Thor 3 – Thor: Ragnarok -, que estreia nesta quinta (26), possui, bem estruturado, todo esse arcabouço dramático – o desaparecimento do pai, a destruição de Asgard, os destrutivos laços familiares -, mas a própria veia cômica de Taika Waititi o leva a destensionar seu relato por meio do humor.

A expectativa é de novo megassucesso e logo em seguida ainda virá, este ano, a Liga da Justiça de Zack Snyder. Uma nova tragédia? Pode esperar que sim. Snyder viveu em 2017 o pior tormento que um pai pode experimentar – o suicídio da filha. Não se surpreenda se isso se refletir no filme.

Comédia toma lugar da ação em Thor: Ragnarok

A franquia dos filmes de Thor tentava correr, mas o freio de mão parecia puxado. Arrancava, buscava vilões mirabolantes, tramas que percorriam tempo e espaço, mas só patinava.

Então, veio Guardiões da Galáxia, de James Gunn, o filme de autor dentro de uma máquina endinheirada chamada Marvel Studios, em 2014. Havia sabor, havia cultura pop, havia uma nostalgia oitentista de ficção científica trash. Era leveza e cores para todos os lados.

Seria um excesso, se não fosse tão divertido. Aquele grupo de heróis desajustados, formado por completos desconhecidos do público de massa, se tornou o grande e disparadamente mais ousado sucesso do estúdio.

Beirar o bilhão com personagens gigantes no imaginário dos gibis, como Capitão América e Homem de Ferro, é fácil. Já Thor, embora fosse um dos mais poderosos e instigantes personagens das HQs, pelo encontro entre mitologia e realidade, era o patinho feio. Seus dois filmes, Thor (2011) e Thor: O Mundo Sombrio (2013), não naufragaram, mas também não chegaram à outra margem. Eram um grande “é, tá, vamos torcer para o próximo ser melhor”.

Portanto, na cabeça de Kevin Feige, o presidente do Marvel Studios, era preciso romper com o que havia sido feito até então. O diretor Taika Waititi é novato em blockbusters, tal qual Gunn.

A fórmula era a mesma. Levar Thor ao espaço sideral, entupir a tela de cores, inserir a estética oitentista, sonorizar com hits radiofônicos do pop e rock, criar um time de personagens que se detestam e, batata, temos o Guardiões da Galá… ops, temos Thor: Ragnarok.

É o melhor filme do herói – algo fácil já que as duas aventuras anteriores não são capazes de fazer frente a vídeos bem editados de gatinhos e filhotes de cachorro -, mas também é um dos melhores filmes do Universo Cinematográfico da Marvel. Não se compara ao drama de espionagem dos longas de Capitão América, nem à leveza do primeiro Homem de Ferro – o filme foi responsável por dar início a toda essa cinessérie -, mas se estabelece, no ranking, logo abaixo do primeiro Guardiões da Galáxia. Um feito e tanto para um personagem moribundo.

Waititi, com o humor e a leveza, principalmente, deu humanidade ao deus do trovão. Despiu-o da pose, tirou-lhe o martelo especial Mjölnir, cortou-lhe os cabelos, arrancou-lhe a nobreza. Tornou Thor em descarte despejado em um lixão transformado em planeta, o reduziu a um mero gladiador pronto para morrer. Fez de Thor o que quis. E saiu-se vitorioso. Com Waititi, o ranço saiu, restou o riso. Tudo bem e ainda bem.

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