Um dos projetos mais enigmáticos da história do Studio Ghibli voltou a ganhar destaque: Anchor, longa-metragem que reuniria Hayao Miyazaki, Isao Takahata e Mamoru Oshii no mesmo filme. A produção nunca saiu do papel, mas documentos e entrevistas revelam que a obra poderia ter se tornado um dos maiores títulos da animação japonesa da década de 1980.Anchor,
Antes da fundação do Studio Ghibli, Mamoru Oshii já se destacava com animações de estética ousada. Obras como Urusei Yatsura 2: Beautiful Dreamer e Angel’s Egg (1985) consolidaram sua reputação ao misturar simbolismos religiosos, narrativa abstrata e forte influência do cinema europeu. Críticos apontam que essas produções ajudaram a moldar a linguagem de animes que viriam depois, como Neon Genesis Evangelion e Paprika.
A relação entre Oshii, Miyazaki e Takahata surgiu a partir de Toshio Suzuki, futuro cofundador do Studio Ghibli. Suzuki teria articulado uma colaboração entre os três diretores para desenvolver Anchor, possivelmente planejado como o primeiro longa-metragem oficial do estúdio.
O enigmático projeto Anchor
Quase quatro décadas depois, Anchor permanece cercado de mistério. Não há desenhos, descrições de personagens ou qualquer sinopse conhecida. A única certeza é que Miyazaki, Takahata e Oshii chegaram a trabalhar juntos na concepção inicial, mas o projeto ruiu devido a divergências criativas.
Em depoimento à revista Kinema Junpo em 1995, Oshii relatou:
“Nós três nos reunimos e criamos um enredo, mas uma noite tivemos uma grande briga e discordância, e eu saí.”
A breve explicação permanece como o único registro direto sobre o cancelamento.
Bastidores tensos: Ghibli comparado ao Kremlin
Na mesma entrevista, Oshii também comentou o ambiente de trabalho ao lado dos diretores de Meu Amigo Totoro (1988) e Túmulo dos Vagalumes (1988). Para ele, a dinâmica interna do estúdio era rígida e marcada por personalidades fortes.
Takahata foi descrito como “um pouco frio” e comparado a um “stalinista”, enquanto Miyazaki foi chamado de “trotskista”, em referência às diferenças de postura criativa.
O diretor afirmou ainda que a Ghibli lembrava “o Kremlin”.
Oshii observou:
“Miya-san é o presidente, Takahata-san é o chefe da República Russa, e o produtor Suzuki é definitivamente o chefe da KGB.”
Apesar do tom irônico, suas falas reforçam que o choque de estilos pode ter sido determinante para a desistência de Anchor.
O legado de uma obra que nunca existiu
Mesmo sem sair do papel, Anchor continua chamando atenção por unir três dos maiores nomes da história da animação. Especialistas apontam que, caso tivesse sido produzido, o longa reuniria:
- o olhar ecológico e fantástico de Miyazaki,
- a sensibilidade realista de Takahata,
- a estética experimental e filosófica de Oshii.
Com o cancelamento, Studio Ghibli avançou com O Castelo no Céu (1986), marco que definiu a identidade da produtora nas décadas seguintes. Já Oshii seguiria caminho próprio e, anos depois, revolucionaria o gênero cyberpunk com Ghost in the Shell (1995).
Miyazaki segue ativo; Anchor permanece um mistério
Oshii também comentou que Miyazaki jamais conseguiria se afastar do trabalho:
“Ele sempre volta ao estúdio e faz barulho… e quando está gritando no estúdio, pode sentir sua existência em seu coração.”
Enquanto Anchor se tornou um capítulo obscuro da história da Ghibli, a curiosidade do público permanece. O projeto nunca será recuperado, mas sua existência revela um período de transformações intensas e o encontro — ou choque — de três visões artísticas que moldaram a animação mundial.




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