Por que Ainda Estou Aqui não mostra “o outro lado da história”?

Melo

Por que Ainda Estou Aqui não mostra “o outro lado da história”?

Desde sua estreia, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, tem sido aclamado por sua sensibilidade ao retratar a história real de Eunice Paiva, advogada e ativista que dedicou a vida a buscar a verdade sobre o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, sequestrado, torturado e assassinado pela ditadura militar brasileira. No entanto, em meio aos incontáveis elogios, surge uma crítica vazia e desinformada: “o filme não mostra o outro lado da história”.

A pergunta que fica é: que outro lado?

Alguns indivíduos, presos a uma visão simplista e distorcida da história, insistem que o longa deveria apresentar a “versão dos militares”, como se existisse um contexto que justificasse crimes de Estado cometidos contra cidadãos desarmados. Rubens Paiva não era um terrorista armado. Não liderava guerrilhas. Não conspirava para tomar o poder. Ele era um ex-deputado cassado, que teve a casa invadida por agentes da ditadura, foi preso sem motivo e nunca mais foi visto com vida.

O “outro lado” dessa história, se houvesse algo a ser contado, seria a confissão dos responsáveis pelo sequestro, tortura e assassinato – mas isso nunca aconteceu. O Estado brasileiro levou mais de 40 anos para admitir o crime e, mesmo assim, os responsáveis jamais foram punidos.

Se a lógica de “equilíbrio” fosse levada ao pé da letra, então toda narrativa sobre eventos históricos deveria abrir espaço para os agressores. Isso significa que filmes sobre o Holocausto deveriam oferecer um olhar “imparcial” sobre os nazistas? Ou que produções sobre o Apartheid deveriam incluir o ponto de vista daqueles que defendiam a segregação racial?

Em crimes de Estado, não existe neutralidade. O próprio conceito de imparcialidade desmorona quando um lado tem armas, tanques e poder absoluto, e o outro tem apenas a própria vida em risco.

“Ainda Estou Aqui” é um filme de memória, não um debate vazio

O longa de Walter Salles não é um panfleto político. É um testemunho. É a história real de uma mulher que teve a vida destruída por um crime que nunca foi investigado de verdade. Não há duas versões da história, porque fatos históricos não são questão de opinião.

Quem pede “o outro lado” precisa entender que o filme não tem obrigação de suavizar o horror da ditadura para agradar quem ainda nega a realidade. Não se trata de militância, mas de respeito à memória de uma família que, por décadas, buscou respostas e justiça.

Se alguém acha que há um “outro lado” para a tortura, sequestro e assassinato de um pai de família inocente, talvez o problema não esteja no filme – mas na visão distorcida da realidade de quem o critica.

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