Todas as Estradas de Terra Tem Gosto de Sal deixa um gosto amargo em quem assiste

Melo

Todas as Estradas de Terra Tem Gosto de Sal deixa um gosto amargo em quem assiste

Falar sobre Todas as Estradas de Terra Tem Gosto de Sal já começa sendo um desafio — assim como assistir ao filme. Esse é mais um projeto da A24, aquele estúdio que muitos já conhecem por apostar em tramas únicas e inusitadas, com aquele toque cult que atrai uma galera fã de cinema alternativo.

O longa é uma viagem intensa e um tanto frustrante pela vida de Mackenzie, uma jovem negra no interior dos Estados Unidos. A trama nos joga em momentos diferentes da vida dela — infância, adolescência, vida adulta e até um vislumbre de sua velhice —, explorando como as relações familiares moldaram cada fase de sua trajetória. A ideia é profunda e poética, mas, no meio do caminho, o filme acaba se perdendo em escolhas que deixam a experiência pesada.

A direção do filme é de Raven Jackson, que estreia aqui como diretora de longas, mas já é conhecida por seu trabalho com fotografia e poesia. Dá pra perceber que ela trouxe esse lado artístico para o filme: os detalhes visuais carregam uma beleza poética que só alguém com essa bagagem poderia oferecer. Jackson investe nos detalhes simbólicos, como a chuva, a terra e as árvores, que representam emoções que não são ditas em palavras. Toda essa estética, que lembra cenas bucólicas, é potencializada pela edição de som, que foca nos ruídos do ambiente, e por uma trilha sonora quase inexistente — só aparecendo lá no fim, dando um toque melódico para encerrar a história.

Raven Jackson teve total liberdade para seguir sua visão artística, mas essa liberdade acabou virando um ponto fraco. A narrativa não-linear, usada para dar uma pegada diferente e profunda, termina mais confundindo do que cativando. Saltamos entre tempos sem aviso, sem nenhuma pista visual ou sonora que nos ajude a entender quando estamos. O resultado? A história parece desconexa e difícil de acompanhar, o que é frustrante até para os fãs mais acostumados com filmes experimentais.

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O ritmo, por outro lado, é um teste de paciência. Jackson adora planos longos, e o filme é cheio deles. Em vez de emocionar, esses momentos acabam tornando a experiência cansativa, com cenas que se arrastam sem necessidade. Dá pra ver que a ideia era criar paralelos entre fases diferentes da vida de Mack, mas esses paralelos se diluem num ritmo lento e repetitivo. No fim das contas, a paciência do espectador é mais testada do que recompensada.

Concordo plenamente com todas as críticas e intenções do filme — as denúncias, as questões profundas e o retrato íntimo da vida de Mackenzie têm um potencial enorme. Mas o problema é a forma como isso é colocado em cena. Em vez de nos aproximar dessas questões, o filme acaba nos afastando. A narrativa fragmentada e o ritmo arrastado deixam tudo mais confuso e maçante, e o impacto das mensagens se perde no meio de tantas escolhas estilísticas que não funcionam. O filme quer nos fazer sentir, quer nos tocar com essas reflexões, mas a forma como tudo é entregue transforma uma experiência que poderia ser poderosa em algo difícil de acompanhar e, no fim, incapaz de nos envolver de verdade.

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Apesar dos tropeços, é inegável que Raven Jackson demonstra uma visão autoral e um olhar sensível sobre a vida e as emoções de Mackenzie. A diretora claramente tentou construir uma experiência poética e intimista, e sua habilidade em criar imagens belíssimas e atmosferas carregadas de simbolismo merece reconhecimento. Jackson ainda está explorando seu estilo, e essa coragem de experimentar, mesmo com riscos, é algo a se valorizar. Em muitos momentos, a fotografia e os sons quase nos transportam para o mundo de Mackenzie, e isso mostra que há, sim, uma intenção genuína de contar algo profundo.

Ainda assim, todos esses méritos acabam soterrados por escolhas que, infelizmente, afastam o espectador. Embora a fotografia seja bonita e as atuações sejam sólidas, a história acaba ficando em segundo plano, dominada por uma estilização que se sobressai demais. A sensação é de que a forma venceu o conteúdo, e o resultado é um filme visualmente impressionante, mas que não consegue nos tocar de verdade. No finalzinho, parece até que o filme tenta se redimir, com um ritmo mais leve e uma cena final que poderia ser poderosa. Mas, depois de 97 minutos de uma narrativa pesada, o impacto se perde, e a emoção simplesmente não cola.

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