Trilha Sonora para um Golpe de Estado, de Johan Grimonprez, é aquele tipo de documentário que deixa você com a sensação de que está assistindo a uma jam session intelectual: é intenso, imprevisível, cheio de notas altas e, às vezes, um pouco difícil de acompanhar. O filme é um mergulho alucinante nas décadas de 1950 e 1960, conectando o assassinato de Patrice Lumumba, o colonialismo no Congo e a Guerra Fria com — wait for it — o jazz estadunidense. Sim, você leu certo: trompetes, saxofones e conspirações geopolíticas andam lado a lado nessa história.
O ponto de partida é o assassinato de Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo, em 1961. Daí o filme vai embora, conectando a morte de Lumumba ao jazz estadunidense, à manipulação geopolítica da CIA e até ao mercado de iPhones e Teslas. Parece aleatório? Pois é, mas o filme consegue (quase sempre) costurar tudo de um jeito que faz sentido. Grimonprez usa uma mistura de imagens de arquivo, depoimentos, trechos de livros e performances musicais pra montar essa teia, enquanto trompetes e saxofones guiam o ritmo dessa bagunça organizada.
O foco na política do jazz é um dos pontos mais intrigantes. O documentário mostra como artistas como Louis Armstrong, Dizzy Gillespie e Sarah Vaughan foram usados como “embaixadores culturais” pelos EUA na Guerra Fria. Basicamente, mandavam esses músicos incríveis pra outros países pra mostrar como a democracia estadunidense era “maravilhosa”, enquanto o próprio país lidava com segregação e desigualdade. É irônico, é absurdo e, claro, é fascinante.
E aí entra o Congo. A Bélgica, a CIA, a ONU… todo mundo tem as mãos sujas no que aconteceu com Lumumba, e o filme não faz questão nenhuma de aliviar pra ninguém. Mas, enquanto joga luz nessa tragédia, Grimonprez também traz um contraste poderoso: a liberdade representada pelo jazz e o quanto essa ideia de liberdade era negada tanto no Congo quanto nos Estados Unidos. É aí que o filme brilha, ao fazer essas conexões inesperadas entre música e política.
Agora, vamos falar a real: o filme não é exatamente fácil de acompanhar. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e às vezes você se sente perdido, como se estivesse tentando seguir um solo de saxofone que nunca termina. Um minuto estamos falando de Lumumba, no outro tem Andrée Blouin (uma figura fascinante e subestimada), e logo depois aparecem cenas de mísseis, polvos gigantes e propagandas da Apple. É caótico, mas, de certa forma, isso combina com a proposta do filme.
Visualmente, Trilha Sonora para um Golpe de Estado é um espetáculo. As imagens de arquivo são incríveis, e Grimonprez tem um talento especial pra escolher cenas que te pegam de surpresa, como um elefante sendo transportado ou submarinos cruzando o oceano. É um documentário que dá vontade de pausar só pra apreciar o visual. Mas essa obsessão pela estética também tem seu preço: às vezes parece que o filme tá mais preocupado em ser bonito do que em aprofundar as histórias que apresenta.
E falando em profundidade, tem coisa que poderia ter sido melhor trabalhada. Andrée Blouin, por exemplo, merecia um espaço maior. A conselheira de Lumumba e ativista pelos direitos das mulheres é apresentada de forma tão interessante que dá vontade de ver um filme só sobre ela. Em contrapartida, o documentário tenta fazer o jazz carregar um peso narrativo enorme. Será que John Coltrane e companhia realmente tiveram um papel tão central assim na Guerra Fria ou isso é só um truque pra conectar tudo? O filme não responde, e isso pode incomodar quem gosta de histórias bem amarradas.
Mas, olha, quando funciona, funciona bem demais. A ideia de usar o jazz como metáfora pra liberdade, improvisação e resistência é poderosa, e as trilhas sonoras que acompanham os momentos mais tensos da narrativa são de arrepiar. E, mesmo que seja confuso às vezes, o filme te faz pensar — e muito. Ele mostra que a luta por independência e recursos naturais no Congo ainda ressoa hoje, com a exploração mineral moderna mantendo o ciclo colonial vivo de outras formas.
No geral, Trilha Sonora para um Golpe de Estado é um documentário ambicioso, visualmente incrível e cheio de conteúdo. Mas também é caótico e denso, o tipo de filme que exige atenção total. Se você gosta de jazz, história e uma boa dose de crítica social, vale a pena. Só vá preparado pra ser jogado em várias direções ao mesmo tempo. E, se no final você se sentir um pouco perdido, tá tudo bem — no fundo, isso faz parte da experiência.
NOTA: 4/5
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