‘Yu-Gi-Oh!’: De fracasso do terror a império bilionário e o sacrifício final de seu criador

Cheyna Corrêa

No competitivo mundo dos mangás japoneses, a linha entre o anonimato e a lenda é extremamente tênue. Antes de se tornar um gigante da indústria, Kazuki Takahashi era apenas mais um artista lutando contra a maré. Por dez anos, ele enfrentou séries canceladas, rejeições e a necessidade de realizar trabalhos de bico para sobreviver. Quando finalmente lançou Yu-Gi-Oh! em 1996, a ideia passava longe dos duelos de monstros que conhecemos hoje.

Originalmente, a história era um mangá de terror psicológico. O protagonista, Yugi Muto, resolvia conflitos através de “Jogos das Trevas”, onde os perdedores sofriam punições brutais e, muitas vezes, mortais. Não havia foco em cartas, e a série, mais uma vez, corria o risco de ser cancelada por baixa popularidade.

A cartada que mudou a história

Desesperado e vendo sua obra afundar, Takahashi decidiu arriscar tudo em um único capítulo. Inspirado pelo fenômeno ocidental Magic: The Gathering, ele introduziu um jogo fictício chamado “Magic & Wizards” apenas para variar a trama. O que aconteceu em seguida foi um milagre editorial. A revista Shonen Jump foi inundada por milhares de cartas de leitores ignorando o terror e perguntando: “Onde compro essas cartas?” e “Como se joga isso?”.

O autor se viu diante de uma escolha crucial: manter sua visão artística original e provável cancelamento, ou pivotar completamente. Ele escolheu ouvir o público. Yu-Gi-Oh! foi reescrito, transformando-se em uma saga épica focada no Duelo de Monstros e conectada à mitologia egípcia antiga.

O resultado é um dos maiores impérios da cultura pop. A franquia acumula mais de US$20 bilhões em valor global e detém o recorde no Guinness Book como o jogo de cartas colecionáveis mais vendido da história, com mais de 35 bilhões de unidades comercializadas. A Konami, impulsionada por jogos como Master Duel, continua faturando bilhões anualmente graças àquela única decisão criativa.

O verdadeiro herói por trás do Rei dos Jogos

Porém, o legado de Kazuki Takahashi vai muito além dos números. Em julho de 2022, o mundo foi abalado pela notícia de sua morte em Okinawa, no Japão. O que parecia um acidente de mergulho revelou-se, meses depois, um ato de heroísmo genuíno.

Segundo o major do exército americano Robert Bourgeau, o mangaká avistou uma mãe, sua filha de 11 anos e um soldado lutando contra uma correnteza mortal. Sem hesitar, Takahashi pulou na água para ajudar no resgate. As três pessoas sobreviveram, mas o artista foi tragado pelo mar, sendo encontrado dias depois com seu equipamento de mergulho.

“Esse cara é um herói. Ele morreu tentando salvar outra pessoa”, declarou o major. O homem que passou a vida escrevendo sobre a importância da amizade, da coragem e do sacrifício, viveu esses valores até o último segundo. Kazuki Takahashi não apenas criou o “Rei dos Jogos”, ele provou ser um rei na vida real.

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